Créditos de carbono são emitidos por instituições que certificam projetos de redução de gases do efeito estufa (GEE) na atmosfera – que vamos chamar aqui de “certificadoras”.
Diversas certificadoras foram constituídas no Brasil e no mundo desde que o mercado de carbono se originou, a partir do Protocolo de Quioto (1997).
Porém, apesar de diversas e diferentes certificadoras, o caminho para se alcançar a emissão de créditos de carbono é bastante parecido. Resumidamente:
1- o dono do projeto escolhe alguma das certificadoras atuantes no mercado;
2- a partir da escolha da certificadora, o dono do projeto analisa dentre as metodologias aceitas pela certificadora aquela que melhor se compatibiliza com a natureza do projeto (por exemplo, um projeto de reflorestamento deve ser submetido a uma metodologia diferente de um projeto de energias renováveis);
3- o projeto é desenvolvido de acordo com a metodologia escolhida;
4- o projeto é submetido a uma auditoria externa (uma empresa terceira, aceita pela certificadora, verifica se os dados constantes do projeto são verdadeiros e estão corretos, emitindo um parecer de conformidade ou não conformidade);
5- com o projeto e o resultado favorável da auditoria em mãos, a certificadora realiza a análise e, se estiver de acordo, certifica o projeto e emite as unidades designadas como créditos de carbono; e
6- o dono do projeto transaciona livremente os créditos de carbono emitidos.
Dentre as diversas certificadoras que foram constituídas, aquelas que adquiriram a confiança do mercado passaram a emitir créditos de maior valor de comercialização. Naturalmente, são estas as certificadoras que mais atraem os donos de projetos, visando a obter uma receita maior com a venda dos créditos de carbono.
O grande problema é que muitos desvios podem ocorrer ao longo desse processo, nos conduzindo a uma pergunta fundamental: será que os créditos de carbono comercializados no mercado efetivamente representam a redução de GEE na atmosfera? Dito em outras palavras: qual é a integridade dos créditos de carbono comercializados no mercado?
Basicamente, as etapas 3, 4, 5 e 6 indicadas acima são as mais sensíveis, o que significa dizer que a integridade dos créditos de carbono permeia a atuação do dono do projeto, do auditor e da certificadora.
Dono do Projeto desvios pelo dono do projeto podem ocorrer: 1) no momento da elaboração do projeto, se dados e evidências técnicas forem omitidos e/ou distorcidos, e/ou 2) no momento da venda dos créditos se, por exemplo, o mesmo crédito for vendido mais de uma vez.
O fato de ainda não haver um banco de dados que concentre informações de todos os projetos de crédito de carbono existentes aumenta o risco de dupla contabilização de créditos e, consequentemente, a sensação de insegurança, afinal, um dos requisitos fundamentais da transparência é o acesso à informação.
Para resolver essa “dor”, o mercado tem se direcionado para o uso de tecnologias como blockchain e tokenização, que permitem tanto a consulta dos dados do projeto sem risco de adulteração de informações, quanto “aposentar” os créditos de carbono que já tenham sido usados para alguma compensação.
Auditor: desvios por parte do auditor estão intimamente relacionados a desvios pelo dono do projeto. Ou seja, se o projeto for adequadamente desenvolvido, não há nada que o auditor possa fazer que gere prejuízo aos créditos de carbono emitidos, no que toca à integridade. Porém, se o projeto não for adequadamente desenvolvido, cabe ao auditor apontar. Se não o fizer, estaremos diante de desvio do auditor.
Certificadora: desvios por parte da certificadora também estão intimamente relacionados a desvios pelo dono do projeto e pelo auditor. Se o projeto não for adequadamente desenvolvido, o auditor não apontar e a certificadora não identificar, teremos como consequência a emissão de créditos de carbono sem integridade (ou seja, sem representar efetivamente a anunciada redução de GEE na atmosfera).
Também pode haver desvios por parte da certificadora em caso de adoção de metodologias que conduzam a um caminho que não representa, na prática, redução de GEE. Neste caso, teremos créditos de carbono emitidos de forma regular, porém, que não geram a redução de GEE anunciada – entrando-se aqui na seara do famoso “greenwashing”.
Saber que um projeto de uma determinada certificadora está sendo questionado pode conduzir ao desinteresse do mercado em continuar comprando créditos emitidos pela mesma certificadora em outros projetos. Esta circunstância evidencia que o valor de mercado dos créditos de carbono pode ser afetado por razões externas ao projeto em si. O projeto pode ser muito bom, mas se a certificadora não for conhecida ou confiável, os créditos tendem a valer menos no mercado.
No entanto, esse contexto não conduz à constatação de que outros projetos da mesma certificadora estejam irregulares.O ponto que precisa ser compreendido é que o fato de um projeto ser desviado não prejudica diretamente os demais, já que cada projeto é realizado de forma individual.
Desta forma, sob a perspectiva técnica, créditos de carbono emitidos a partir de projetos adequadamente desenvolvidos são sim confiáveis, porque são capazes de gerar as reduções de GEE esperadas. Isso é o que importa, num ambiente de mercado em que certificados de reduções de GEE são comercializados com vistas a compensar emissões de GEE.
Se você é comprador de créditos de carbono, o mais importante a ser verificado (e, se possível, auditado) é o projeto em si, para conferir se as reduções de GEE declaradas são verdadeiras. E, se você é dono de projeto e foi afetado pela reputação da sua certificadora, o mais importante é divulgar os dados técnicos do seu projeto, para que, de posse destas informações, o mercado possa confirmar a integridade dos créditos de carbono emitidos.
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